O Sacramento da Reconciliação - II

quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Pe. Henrique Soares da Costa
Já vimos que o Batismo é, por excelência, o sacramento da remissão dos pecados. Vimos também que, infelizmente, no cristão que já recebeu o Batismo, permanece a concupiscência – aquele desequilíbrio que é fruto do pecado da nossa raça e que, sem ser em si mesmo pecado, atrai-nos para o pecado. Porque nem sempre resistimos às tentações provocadas pela nossa concupiscência, pecamos e, assim, temos a necessidade do perdão dos pecados. Vimos, também que a Igreja recebeu de Cristo Senhor o poder e a autoridade de, no nome do Salvador, perdoar os pecados.
Agora, comecemos com uma pergunta: qual o remédio para o pecado? A resposta é uma só: uma contínua conversão pela penitência. A penitência são as atitudes e gestos que revelam a mudança interior, a conversão do coração. O catecismo da Igreja explica que “a conversão interior impele à expressão exterior com gestos e sinais visíveis, gestos e sinais de penitência” (n. 1430). E o Catecismo completa, de modo muito preciso: “ A penitência interior é uma radical reorientação de toda a vida, um retorno, uma conversão a Deus com todo o coração, uma ruptura com o pecado, uma aversão ao mal, juntamente com a reprovação das más ações que cometemos” (n. 1421). Observe-se bem: antes de falar diretamente no sacramento da Penitência, estamos falando numa profunda atitude de penitência! É que não tem sentido o sacramento sem a atitude interior; de nada adianta confessar-se sem o sincero sentido do pecado e o firme propósito de conversão! Desde já vai aparecendo claro que o Sacramento da Penitência insere-se numa atitude mais ampla de volta a Deus e no profundo sentido existencial que somos pecadores. Como diz o Salmista: “Um coração despedaçado e triturado, ó Deus, não rejeitarás! Cria em mim um coração puro, ó Deus; enraíza em mim um espírito novo” (Sl 51,19.12).
É Deus mesmo quem concede ao homem a graça de ver seus pecados e buscar o arrependimento. Tanto que, de modo comovente, o Livro das Lamentações suplica: “Faze-nos retornar, Senhor, e nós retornaremos” (Lm 5,21). Esta atitude de penitência que, com sua graça, Deus provoca em nós, pode ser expressa de muitos modos: a oração, o jejum, a abstinência de carne, a esmola, a busca sincera de reconciliação com o próximo, as obras de misericórdia... enfim, o amor, que cobre uma multidão de pecados (cf. 1Pd 4,8). Acima de tudo, serve-nos como sincera expressão de arrependimento e busca do perdão de Deus, a generosa aceitação da cruz de cada dia por amor de Cristo. Então, mais uma vez: trata-se de uma ampla atitude de conversão e somente aí é que se pode inserir a Penitência sacramental! Caso contrário, ela seria um rito vazio e mecânico, inútil, e uma verdadeira afronta a Deus!
Demos, agora, mais um passo. Cristo, nosso Senhor, instituiu na sua Igreja um sacramento – um sinal concreto, eficaz, no qual Ele mesmo se empenha – do perdão dos pecados para aqueles que, já batizados, caíram gravemente e, assim, perderam a graça batismal e feriram o corpo da Igreja, de quem somos membros! Por este sacramento, recebemos a graça que nos ajuda na conversão, bem como o perdão dos pecados, recuperando a graça da justificação: tornamos á comunhão com Deus em Cristo e com a Igreja, que é Corpo do Senhor. Por isso mesmo, os antigos doutores cristão gostavam de chamar a Penitência de “segunda tábua de salvação, depois do naufrágio de ter perdido a graça”!
Alguém pode perguntar: em que lugar, na Bíblia, aparece Cristo instituindo o Sacramento da Penitência? Já vimos, nos artigos passados, que uma pergunta desse tipo não tem muito sentido! Basta recordar o que escrevi logo no início desta série de artigos. É convicção da Igreja que os sacramentos todos foram instituídos por Cristo. Somente assim eles têm de fato um valor salvífico verdadeiro. Corrigindo os erros de Lutero e Calvino, pais do protestantismo, o Concílio de Trento ensinou de modo infalível, com a autoridade que Cristo deu aos Apóstolos e seus legítimos sucessores, os Bispos: “Se alguém afirmar que os sacramentos da nova lei não foram todos instituídos por Jesus Cristo, nosso Senhor... seja anátema (= seja separado da Igreja)”. Mas, onde, na Bíblia aparece a instituição dos sete sacramentos, um por um? Antes de responder esta questão é necessário compreender o que o Concílio quis afirmar com a palavra “instituir”. Quando estudamos as atas do Concílio de Trento, vemos explicado lá que os Bispos participantes do Concílio afirmaram que Cristo “instituiu” no sentido que é ele, Jesus Cristo, diretamente, quem confere eficácia, poder, efeito ao rito celebrado. Em outras palavras: a força do sacramento vem de Cristo e só dele, é manifestação da sua obra de salvação. Os sacramentos não são, como dizia erradamente Calvino, instituições da Igreja. Para compreender isto é necessário reler o que escrevi sobre Jesus Cristo, o Sacramento primordial e sobre a Igreja, sacramento de Cristo! Jesus é a presença de salvação, visível e eficaz, de Deus no nosso meio – por isso ele é o Sacramento do Pai; a Igreja, por sua vez, é continuadora da presença de Cristo: o Senhor fez dela sinal visível e eficaz de sua palavra e de sua ação – ela é sacramento de Cristo! Então, ao instituir a Igreja o Senhor Jesus tinha a intenção clara que ela fosse sacramento de sua presença e que seus gestos e palavras fossem sinais eficazes de sua ação e de sua presença. Neste sentido toda a Igreja é sacramental: Jesus não quis apenas os sete sacramentos; quis muito mais: desejou a própria estrutura sacramental da Igreja; quis que sua presença graciosa e salvífica fosse vista, concreta, palpável nos ritos, gestos, ação de serviço que a Igreja realiza entre os homens. É isto que Trento quer ensinar: a estrutura sacramental da Igreja não vem nem dos Apóstolos, nem da própria Igreja, mas do próprio Cristo Jesus, Sacramento primordial! E isto é dogma de fé!
Uma observação importante: o Concílio não quis entrar na questão de como cada sacramento foi instituído por Jesus durante sua vida terrena e muito menos se preocupou em catar versículos da Escritura para provar, tintim por tintim a instituição de cada sacramento. Esta tarefa a Igreja deixa para o estudo dos exegetas e teólogos! Interessa à Igreja que, biblicamente, está mais que dito que Cristo fez de sua Igreja sacramento de sua presença, prolongamento de seus gestos e palavras salvíficos! No entanto, isto não significa que não possamos ver no próprio Novo Testamento o embrião da prática de cada um dos sacramentos. No caso específico da Penitência, podemos citar os seguintes textos: “E eu te digo: Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja e as portas do inferno nunca levarão vantagem sobre ela. Eu te darei as chaves do reino dos céus, e tudo que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16,18s); “Após essas palavras, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados serão perdoados. A quem não perdoardes os pecados não serão perdoados’” (Jo 20,22s). Assim, Cristo fez dos Apóstolos (e de seus sucessores) participantes do seu próprio poder de perdoar os pecados, reconciliando os pecadores com Ele mesmo e com a sua Igreja!




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